No momento da largada das naus de Vasco da Gama para a Índia ergueu-se a voz de um respeitável velho que sobressaiu de entre todas as que se tinham feito ouvir até então contra a obra dos descobrimentos. Esta voz representava todos aqueles que se opunham à louca aventura da Índia e preferiam a guerra santa no Norte de África.
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Velho do Restelo é uma personagem criada por Luís de Camões no canto IV da sua obra Os Lusíadas. O Velho do Restelo simboliza os pessimistas, os conservadores e os reacionários que não acreditavam no sucesso da epopeia dos descobrimentos portugueses. O velho do Restelo avisava dos perigos e das desvantagens do empreendimento.
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"Mas um velho d'aspeito venerando,
Que ficava nas praias, entre a gente,
Postos em nós os olhos, meneando
Três vezes a cabeça, descontente,
A voz pesada um pouco alevantando,
Que nós no mar ouvimos claramente,
C'um saber só de experiências feito,
Tais palavras tirou do experto peito:
- "Ó glória de mandar! Ó vã cobiça
Desta vaidade, a quem chamamos Fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
C'uma aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles experimentas!
- "Dura inquietação d'alma e da vida,
Fonte de desamparos e adultérios,
Sagaz consumidora conhecida
De fazendas, de reinos e de impérios:
Chamam-te ilustre, chamam-te subida,
Sendo dina de infames vitupérios;
Chamam-te Fama e Glória soberana,
Nomes com quem se o povo néscio engana!
- "A que novos desastres determinas
De levar estes reinos e esta gente?
Que perigos, que mortes lhe destinas
Debaixo dalgum nome preminente?
Que promessas de reinos, e de minas
D'ouro, que lhe farás tão facilmente?
Que famas lhe prometerás? que histórias?
Que triunfos, que palmas, que vitórias?
Em relação a tudo o que se queira fazer de novo em Portugal, sempre haverá um velho do Restelo a fazer lembrar os perigos da campanha. Ou seja, trocar uma coisa desconhecida por nada.
Mas, realmente a história escreve-se por linhas tortas. O que é feito da Índia portuguesa, o que é feito da África portuguesa? O que é feito do Brasil? - Foram tudo sonhos e tarefas inúteis? - Não! Ficou pouco economicamente, não podemos viver daquilo! Mas ficou o nosso nome na história universal. Ficaram mais de duzentos milhões de almas a falar português, num Portugal só com 10 milhões. Foi obra pequena? – Não foi.
Sem ter corrido tantos riscos e de ter ganho e perdido tudo do imaginado nos melhores sonhos, o que seria Portugal hoje? Provavelmente uma esquecida província de Espanha, a Secília do Atlântico. A língua portuguesa falada às escondidas talvez por não mais de 800 mil pessoas - grande glória.