Sábado, 26 de Maio de 2007

Velhos do Restelo

    No momento da largada das naus de Vasco da Gama para a Índia ergueu-se a voz de um respeitável velho que sobressaiu de entre todas as que se tinham feito ouvir até então contra a obra dos descobrimentos. Esta voz representava todos aqueles que se opunham à louca aventura da Índia e preferiam a guerra santa no Norte de África.

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Cortesia: www.malhatlantica.pt

    Velho do Restelo é uma personagem criada por Luís de Camões no canto IV da sua obra Os Lusíadas. O Velho do Restelo simboliza os pessimistas, os conservadores e os reacionários que não acreditavam no sucesso da epopeia dos descobrimentos portugueses. O velho do Restelo avisava dos perigos e das desvantagens do empreendimento.

                     94

"Mas um velho d'aspeito venerando,

Que ficava nas praias, entre a gente,

Postos em nós os olhos, meneando

Três vezes a cabeça, descontente,

A voz pesada um pouco alevantando,

Que nós no mar ouvimos claramente,

C'um saber só de experiências feito,

Tais palavras tirou do experto peito:

                     95

- "Ó glória de mandar! Ó vã cobiça

Desta vaidade, a quem chamamos Fama!

Ó fraudulento gosto, que se atiça

C'uma aura popular, que honra se chama!

Que castigo tamanho e que justiça

Fazes no peito vão que muito te ama!

Que mortes, que perigos, que tormentas,

Que crueldades neles experimentas!

                      96

- "Dura inquietação d'alma e da vida,

Fonte de desamparos e adultérios,

Sagaz consumidora conhecida

De fazendas, de reinos e de impérios:

Chamam-te ilustre, chamam-te subida,

Sendo dina de infames vitupérios;

Chamam-te Fama e Glória soberana,

Nomes com quem se o povo néscio engana!

                       97

- "A que novos desastres determinas

De levar estes reinos e esta gente?

Que perigos, que mortes lhe destinas

Debaixo dalgum nome preminente?

Que promessas de reinos, e de minas

D'ouro, que lhe farás tão facilmente?

Que famas lhe prometerás? que histórias?

Que triunfos, que palmas, que vitórias?

Os Lusíadas, Canto IV, 94-97

    Em relação a tudo o que se queira fazer de novo em Portugal, sempre haverá um velho do Restelo a fazer lembrar os perigos da campanha. Ou seja, trocar uma coisa desconhecida por nada.

    Velho do Restelo surge como metáfora, comparação, símbolo, epíteto daqueles que, supostamente, são "botas-de-elástico", "retrógrados", "inimigos do progresso", os que defendem sempre o “não vale a pena”, os derrotados antes do jogo começar, aqueles que querem um Portugal dos pequeninos, etc..., etc...,

    Mas, realmente a história escreve-se por linhas tortas. O que é feito da Índia portuguesa, o que é feito da África portuguesa? O que é feito do Brasil? - Foram tudo sonhos e tarefas inúteis? - Não! Ficou pouco economicamente, não podemos viver daquilo! Mas ficou o nosso nome na história universal. Ficaram mais de duzentos milhões de almas a falar português, num Portugal só com 10 milhões. Foi obra pequena? – Não foi.

    Sem ter corrido tantos riscos e de ter ganho e perdido tudo do imaginado nos melhores sonhos, o que seria Portugal hoje? Provavelmente uma esquecida província de Espanha, a Secília do Atlântico. A língua portuguesa falada às escondidas talvez por não mais de 800 mil pessoas - grande glória.

publicado por Eu mesmo às 22:26

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