Há muita discussão sobre a dívida dos países uns aos outros e a capacidade de as pagar. Como a nível de países é mais difícil de compreender vamos fazer um exercício mais simples com pessoas. Um jardineiro era pobre a queria viver um pouco melhor. Trabalhava para uma senhora rica que vendia máquinas. Para maior desespero a senhora disse um dia ao jardineiro: você está tecnologicamente atrasado, ainda corta a relva com tesoura, isso é do século passado. Eu empresto-lhe dinheiro para você se modernizar e depois paga-me mais tarde. Assim foi, o jardineiro comprou à empresa da sua patroa um corta-relva com motor, e para melhor responder aos pedidos da senhora comprou um telemóvel de última geração. Algum tempo depois, em vez da bicicleta para ir trabalhar comprou também um carrito em segunda mão. Tudo com dinheiro emprestado.
O jardineiro tinha uma pequena horta onde cultivava umas batatas e tomates. A senhora combinou com ele pagar-lhe mais um pouco de ordenado com a justificação que não queria que ele viesse com a roupa suja de terra e também porque ela tinha também uma quinta e passaria a vender-lhe o que precisasse a preços muito baratos. Acabou-se a horta.
O tempo sobrava e o jardineiro ia pagando os juros do empréstimo, e com o dinheiro e tempo livres ainda chegava para ir à explanada e tomar um café. Nos primeiros tempos todos pareciam felizes, pois a senhora tinha vendido as suas máquinas de cortar relva e tinha despachado o carro em segunda mão, além de ir recebendo o dinheiro dos juros dos empréstimos.
Quando chegou a altura de devolver uma parte em dinheiro dos primeiros empréstimos o jardineiro não tinha dinheiro suficiente e a senhora disse: Isso é grave mas há uma solução para o problema, um irmão meu empresta-lhe mais dinheiro para pagar os juro e a minha dívida anterior, mas os juros vão ser maiores porque o risco de você não pagar é agora maior do que inicialmente. O jardineiro pensou e pensou, mas como não lhe ocorriam soluções alternativas melhores acabou por aceitar. Com mais dinheiro fresco comprou umas roupas novas a mandou arranjar o automóvel com peças compradas a um primo da senhora.
Chegou um dia em que a senhora e o irmão quiseram regularizar as contas e viram que o jardineiro ia ter ainda mais dificuldade em lhes pagar. Então a senhora veio para a rua gritar que o jardineiro era um mandrião, um caloteiro, que não queria pagar, que o ia despedir. O jardineiro tentou pedir mais dinheiro para resolver o problema imediato, pedindo mais dinheiro emprestado, mas depois da gritaria da senhora ninguém lhe emprestava, ou só o tal irmão da senhora a juros completamente impossíveis de pagar.
Então a senhora muito aborrecida chamou o jardineiro e disse. Ora eu tenho de receber o meu dinheiro, mas como você não me pode pagar vou ficar-lhe com o seu cortador de relva eléctrico. Mas vai ter de me pagar no prazo de dois anos e tem de continuar a cortar a relva mais vezes por semana e arranjar o jardim. O jardineiro perguntou como podia cumprir o novo compromisso de produzir mais sem a máquina, ao que a senhora respondeu: Então? Com a tesoura antiga eu fico-lhe ainda com o carro e venda o telemóvel a qualquer preço. Para vir trabalhar vai ter de pagar bilhete numa empresa de transportes que é também de um familiar meu.
O jardineiro começou a levantar-se muito mais cedo, a trabalhar muito mais horas, mas sem meios para cumprir as tarefas comprometidas começou a cortar nas despesas de educação dos seus filhos, na alimentação e nas roupas. Andava já muito perto da miséria e sem esperança.
Na família do jardineiro ningém conseguia prever se ele, como jardineiro, recebendo um salário cada vez menor da senhora e a pagar-lhe os juros, algum dia iria deixar de ter dívidas ou muito menos conseguir comprar uma nova máquina de cortar relva e uma motocicleta, ou o que quer que fosse.
Por outro lado a senhora começou também a ficar preocupada porque não conseguia vender novos cortadores de relva nem peças para o automóvel do jardineiro e de outros servidores em situação semelhante à do jardineiro.
Apareceu então o dilema. Seria que a melhor forma de resolver todos os problemas era deixar aquele emprego e não pagar nada à senhora? Iria passar muito mal nos primeiros tempos porque não iria arranjar dinheiro para comprar comida nem roupa. Teria de produzir tudo o que consomisse para as suas principais necessidades.
Qual a solução? (1) Tentar pagar e ficar eternamente escravo? (2) Ou não pagar a passar muito mal de imediato?
Moral do meio da história
Todos terão de aprender qualquer coisa. O jardineiro nunca mais vai acreditar na bondade das senhoras para quem irá trabalhar, e as novas patroas nunca mais irão conseguir emprestar dinheiro que serve para comprar os seus próprios produtos.
É este o ponto da história em Dezembro de 2011. Esperem-se as cenas dos próximos capítulos ...