No processo Casa Pia torna-se cada vez mais evidente que ninguém pode garantir com absoluta certeza quem é culpado ou quem é inocente, se há alguém inocente ou se há alguém culpado. Porque se pode dizer isto? Porque as provas são fracas, em algumas situações são inexistentes, baseadas em testemunhos dos próprios “abusados”. É estranho em tantos crimes não haver escutas telefónicas ou registos de chamadas, comprovativos de portagens, testemunhas visuais independentes, fotografias, etc. O tribunal teve de alterar datas específicas para datas incertas. E porque motivo o processo demorou tanto tempo?
Se por um lado não custa a acreditar que tenha havido abusos, a começar por elementos da própria Casa Pia e nalguns casos prostituição voluntária dos próprios jovens, por outro lado a forma e o momento para o assunto aparecer na comunicação social levanta muitas dúvidas. Estava em início o processo das burlas no BPN, com fortes ligações a elementos destacados do PSD. Havia eleições a aproximar-se e o PS tinha fortes possibilidades de consolidar o poder. Porque razão a maioria das suspeitas foram recaindo sobre elementos da direcção do Partidos Socialista? Seria apenas coincidência? A opinião pública foi sendo induzida por uma comunicação social muito pouco imparcial. Ao mesmo tempo aproveitaram para vender jornais, muitos jornais, pois nestes assuntos, quanto mais escandalosa fosse a notícia mais se vendiam jornais. Sabe-se hoje de enormes mentiras que foram sendo ditas, não confirmadas posteriormente.
O processo chegou ao fim na primeira instância com várias e pesadas condenações. Houve recursos, publicação de livros, declarações contraditórias de alguns dos próprios jovens abusados.
Na fase de avaliação dos recursos um alto cargo da justiça veio dizer esta frase que eu considero uma grande “barbaridade”. - “É necessário que os tribunais superiores confirmem todas as penas, em nome da paz social”.
Mas o que é isto? Se tiver havido um erro judiciário, um alto cargo da justiça vem defender que a verdade seja trocada pela “paz social”? É possível trocar justiça e verdade por paz social? Isto é negociável? Há alguma moralidade ou pode construir-se um Mundo melhor, cujo preço a pagar seja comprar a “paz social” com um possível “erro judiciário”? É isto aceitável para pessoas justas, com carácter e moral?
Neste momento, para mim, mais importante do que saber a verdade sobre os abusos sexuais, começa a ser o perigo desta troca entre a "paz social" a "justiça" se propagar para outros processos. Se por hipótese isto se vier a verificar de facto, então os processos começam a ser decididos nos jornais e nas televisões muito antes dos julgamentos em tribunal. Deixam de ser necessários juízes, advogados, peritos, investigação rigorosa e competente, em suma, deixa de ser necessário haver lei.
A paz social pode ser a moeda para comprar tudo. Mas não pode haver maior erro. Isto seria verdadeiramente a inversão da justiça. Seria a subjugação do direito pela manipulação. A lei dos tribunais pelos julgamentos populares e pela anarquia. O fim do que pensávamos ser o Mundo civilizado. Isto não pode ser verdade. Não pode!